O Luto de um homem que só usava preto...
"I pray that God will give me courage
To carry on 'til we meet again
It's hard to know she's gone forever
They're carrying her home on the evening train"
trecho de On the Evening Train, faixa 6 de American V
“American V – A Hundred Highways” é o título do disco póstumo de Johnny Cash. A produção é assinada por Rick Rubin, o sujeito por trás de vários clássicos da história do rock e um dos produtores mais procurados do momento (atualmente, estão na fila Metallica, U2 e Velvet Revolver). American V não é necessariamente um lançamento (o disco chegou às lojas em julho de 2006) mas é, sem dúvida alguma, item essencial para qualquer interessado na história deste ícone da musica mundial. Ainda que composto majoritariamente por covers de compositores tradicionais norte-americanos, o registro musical não poderia ser mais auto-biográfico. As gravações são de 2003 e compreendem o período entre a morte de sua esposa June Carter Cash e o falecimento do próprio Johnny, 4 meses depois. Em todas as 12 faixas (entre elas, duas autorais e inéditas) a voz de Cash soa mais frágil e renitente, demonstrando toda intensidade da dor de sua perda, neste que foi considerado pela crítica o mais desolado de seus trabalhos.
O conteúdo emocional do quinto volume da série “American” é inquestionável. Mais do que prever sua morte, Johnny a desejava de alguma forma. Em parte por ter perdido seu motivo para viver, em parte por acreditar que a morte seria o caminho de volta para June. Isto fica claro a partir das canções selecionadas. Na música de abertura “Help Me”, o cantor pede a ajuda e coragem para caminhar “mais esta milha”, a “última milha”, a transposição da barreira entre a vida e a morte.
Quem assistiu a biografia cinematográfica de Cash, lançada no ano passado com o título de “Johnny and June”, pode ter uma idéia da importância da esposa na vida do compositor. June é um exemplo de como alguém pode salvar a vida de um homem de todas as maneiras possíveis. No auge de seu pesadelo com as drogas, entre prisões e internações, ela deu-lhe um bom motivo para viver, e após sua despedida em 2003, um bom motivo para morrer. Na minha opinião, eis uma das histórias de amor mais bonitas do século. História esta, coroada com várias canções e agora este disco póstumo, com potencial para deixar qualquer marmanjo com lágrimas nos olhos (isso não é nenhum tipo de confissão).
Johnny Cash monstra que, a despeito de sua voz já melancólica e frágil, prejudicada por sua doença e morte iminente, sua genialidade e sensibilidade permaneceu intacta até seus últimos suspiros. Para além de qualquer técnica ou teoria, o conceito de “American V: A Hundred Highways” está no coração deste intérprete e compositor. Em sua última composição, meses antes de morrer, Cash pede que coloquem seu caixão no “trem 309” e assim ele parte com destino certo.
De acordo com o produtor Rick Rubin, ainda existe uma quantidade considerável de gravações que darão origem a um segundo disco póstumo de Johnny. Segundo Rubin, o disco será lançado em 2007. Preparem-se para o “American IV”, o homem de preto ainda tem algo a dizer.